quarta-feira, 15 de agosto de 2012

*Frei Betto *


Ao viajar pelo Oriente, mantive contatos com monges do Tibete, da Mongólia, do Japão e da China. Eram homens serenos, comedidos, recolhidos e em paz nos seus mantos cor de açafrão. Outro dia, eu observava o movimento do aeroporto de São Paulo: a sala de espera cheia de executivos com telefones celulares, preocupados, ansiosos, geralmente comendo mais do que deviam. Com certeza, já haviam tomado café da manhã em casa, mas como a companhia aérea oferecia um outro café, todos comiam vorazmente. Aquilo me fez refletir: 'Qual dos dois modelos produz felicidade?'



Encontrei Daniela, 10 anos, no elevador, às nove da manhã, e perguntei: 'Não foi à aula?' Ela respondeu: 'Não, tenho aula à tarde'. Comemorei: 'Que bom, então de manhã você pode brincar, dormir até mais tarde'. 'Não', retrucou ela, 'tenho tanta coisa de manhã...' 'Que tanta coisa?', perguntei. 'Aulas de inglês, de balé, de pintura, piscina', e começou a elencar seu programa de garota robotizada. Fiquei pensando: 'Que pena, a Daniela não disse: 'Tenho aula de meditação.Estamos construindo super-homens e super mulheres, totalmente equipados, mas emocionalmente infantilizados.

Uma progressista cidade do interior de São Paulo tinha, em 1960, seis livrarias e uma academia de ginástica; hoje, tem sessenta academias de ginástica e três livrarias! Não tenho nada contra malhar o corpo, mas me preocupo com a desproporção em relação à malhação do espírito. Acho ótimo, vamos todos morrer esbeltos: 'Como estava o defunto?'. 'Olha, uma maravilha, não tinha uma celulite!' Mas como fica a questão da subjetividade? Da espiritualidade? Da ociosidade amorosa?



Hoje, a palavra é virtualidade. Tudo é virtual. Trancado em seu quarto, em Brasília, um homem pode ter uma amiga íntima em Tóquio, sem nenhuma preocupação de conhecer o seu vizinho de prédio ou de quadra! Tudo é virtual. Somos místicos virtuais, religiosos virtuais, cidadãos virtuais. E somos também eticamente virtuais...


A palavra hoje é 'entretenimento'; Como a publicidade não consegue vender felicidade, passa a ilusão de que felicidade é o resultado da soma de prazeres: 'Se tomar este refrigerante, vestir este tênis, usar esta camisa, comprar este carro,você chega lá!' O problema é que, em geral, não se chega! Quem cede, desenvolve de tal maneira o desejo, que acaba precisando de um analista. Ou de remédios. Quem resiste, aumenta a neurose.


O grande desafio é começar a ver o quanto é bom ser livre de todo esse condicionamento globalizante, neoliberal, consumista. Assim, pode-se viver melhor. Aliás, para uma boa saúde mental três requisitos são indispensáveis: amizades, autoestima, ausência de estresse.
Há uma lógica religiosa no consumismo pós-moderno. Na Idade Média, as cidades adquiriam status construindo uma catedral; hoje, no Brasil, constrói-se um shopping-center. É curioso: a maioria dos shoppings-centers tem linhas arquitetônicas de catedrais estilizadas; neles não se pode ir de qualquer maneira, é preciso vestir roupa de missa de domingo. E ali dentro, sente-se uma sensação paradisíaca: não há mendigos, crianças de rua, sujeira pelas calçadas...


Entra-se naqueles claustros ao som do gregoriano pós-moderno, aquela musiquinha de esperar dentista. Observam-se os vários nichos, todas aquelas capelas com os veneráveis objetos de consumo, acolitados por belas sacerdotisas. Quem pode comprar à vista, sente-se no reino dos céus. Quem precisa passar cheque pré-datado, pagar a crédito, entrar no cheque especial, sente-se no purgatório. Mas se não pode comprar, certamente vai se sentir no inferno... Felizmente, terminam todos na eucaristia pós-moderna, irmanados na mesma mesa, com o mesmo suco e o mesmo hambúrguer do Mc Donald...

Costumo advertir os balconistas que me cercam à porta das lojas: 'Estou apenas fazendo um passeio socrático.' Diante de seus olhares espantados, explico: 'Sócrates, filósofo grego, também gostava de descansar a cabeça, percorrendo o centro comercial de Atenas. Quando vendedores como vocês o assediavam, ele respondia:...

"Estou apenas observando quanta coisa existe de que não preciso para ser Feliz"!!!

6 comentários:

A Lobba! disse...

Minha da linda, to de volta na área...lembra da Lobba???rsrs
Aqui, esse frei bento é chic né? Deus me livre de queimar no inferno...mais...que é interessante é...com todo respeito...Amém!
Lambidas de uma lobba saudosa!

* Edméia * disse...


*Gentemmmmmmm , como este Frei

é fantástico !!! :))

*Sou católica apostólica romana

PRATICANTE e ... DISCORDO de

muitos pareceres, algumas

afirmações da minha Igreja !!!

Ou seja, AMOOOOOOO *Frei Beto !!!

*Ótimo final de semana

para Todos !!!

*Fiquem com Deus.

*Beijosssssssssss.

P.S. - Concordando com Frei Beto,

levo uma vida SIMPLES e FELIZ !!!

(Dou menos aulas e vivo ! Vivo !).

Anônimo disse...

"Estou apenas fazendo um passeio socrático" foi ótimo!!!

Ótimo texto, sem radicalizar eu concordo. O fato é que não podemos radicalizar com nada.. nem com o consumo e os atuais valores futeis da sociedade, nem com a necessidade de "engrandecer o espírito".

bjos

chica disse...

Maravilhoso esse texto.Muito bom mesmo!!Valeu!! beijos,ótimo fds!tuuuuuuuuuuuuudo de bom,chica

Calu Barros disse...

Simplesmente demais, Meméia.Um panorama real deste nosso início de século.Obrigada por compartilhar.Valeu!!!
Me desculpo se apareço pouco, mas os afazeres são muitos.
Obrigada pelo incentivador comentário lá no blog.Estamos juntas na torcida por nossa colega.
Bjkas,
Calu

Unknown disse...

Este Frade é um mensageiro de Deus.
Que o Espírito Santo o ilumine e o acompanhe para que ele possa levar a mensagem de Deus- Amor - a todos os irmãos.
Jesus tem realizado na sua pessoa uma linda mensagem que tem sido aceite por todos.
O seu sorriso e a sua pessoa tornam-no uma presença bastante agradável.

A Edmeia pode enviar-me o pedido de amizade para o facebook
luís coelho 1947 leiria (ou Ortigosa)
Estudou no Seminário de Leiria. Reformado da Segurança Social.
Também consta com luis rodrigues coelho -1947

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