terça-feira, 21 de julho de 2009

" ... porque SE emburrecermos ... "

* Morrer em Vida é Fatal *




- Martha Medeiros -


Nunca esqueci de uma senhora que, ao responder por quanto tempo pretendia trabalhar, respondeu
com toda a convicção: “Até os 100 anos”. O repórter, provocador, insistiu: “E depois?”. “Ué, depois vou aproveitar a vida”.
É de se comemorar que as pessoas aparentem ter menos idade do que realmente têm e que
mantenham a vitalidade e o bom humor intactos – os dois grandes elixires da juventude. No entanto, cedo ou tarde (cada vez mais tarde, aleluia), envelheceremos todos. Não escondo que isso me amedronta um pouco.
Ainda não cheguei perto da terceira idade, mas chegarei, e às vezes me angustio por antecipação com a dor inevitável de um dia ter que contrapor meu eu de dentro com meu eu de fora.
Rugas, tudo bem. Velhice não é isso, conheço gente enrugada que está saindo da faculdade. A velhice tem armadilhas bem mais elaboradas do que vincos em torno dos olhos. Ela pressupõe uma desaceleração gradativa: descer escadas de forma mais cautelosa, ser traída pela
memória com mais regularidade,
ter o corpo mais flácido, menos frescor nos gestos, os órgãos internos não respondendo com tanta
presteza, o fôlego faltando por causa de uma ladeira à toa, ainda que isso nem sempre se cumpra: há muitos
homens e mulheres que além de um ótimo aspecto, mantêm uma saúde de pugilista.
A comparação com os pugilistas não é de todo absurda: é de briga mesmo que estamos falando. A briga contra o olhar do outro.
Muitos se queixam da pior das invisibilidades: “Não me olham mais com desejo”. Ouvi uma mulher belíssima dizer isso num programa de tevê, e eu pensei: não pode ser por causa da
embalagem, que é tão charmosa.
Deve estar lhe faltando ousadia, agilidade de pensamento, a mesma gana de viver que tinha aos 30 ou
40. Ela deve estar se boicotando de alguma forma, porque só cuidar da embalagem não adianta, o
produto interno é que precisa seguir na validade.
Quem viu o filme “Fatal” deve lembrar do professor sessentão, vivido por Ben Kingsley, que se
apaixona por uma linda e jovem aluna (Penélope Cruz) e passa a ter com ela um envolvimento que lhe
serve como tubo de oxigênio e ao mesmo tempo o faz confrontar-se com a própria finitude.
No livro que deu origem ao filme (O Animal Agonizante, de Philip Roth), há uma frase que resume essa comovente ansiedade de vida:
“Nada se aquieta, por mais que a gente envelheça”.
Essa é a ardileza da passagem do tempo: ela não te sossega por dentro da mesma forma que te
desgasta por fora. O corpo decai com mais ligeireza que o espírito, que, ao contrário, costuma rejuvenescer quando a
maturidade se estabelece.
Como compensar as perdas inevitáveis que a idade traz? Usando a cabeça: em vez de lutarmos para
não envelhecer, devemos lutar para não emburrecer. Seguir trabalhando, viajando, lendo, se relacionando, se interessando e se renovando. Porque se
emburrecermos, aí sim, não restará mais nada.

* * *
Texto publicado no jornal ZERO HORA em 03/05/2009
IMAGENS: Retrato de Cora Coralina

* * *

4 comentários:

Malvada disse...

mto bacana o texto, devo ser sincera agora pessoas com 50 anos aqui da minha familia tem aquele espirito de um jovem de 20 anos e eu com 21 anos pareço mais com o animo de uma pessoa bemmmm mais velha

Rosana Ibanez disse...

Oi Fada! Que texto bonito e interessante!
E tudo o que está escrito nele é a mais pura verdade, pois podemos sim renovar as nossas aparências, conforme a idade vem surgindo, mas internamente falando, tudo fica difícil, pois as nossas forças, a nossa memória e os nossos orgãos com certeza vão perdendo a vitalidade e é nessa hora que devemos saber envelhecer. Mas não são todos que estão preparados p/enfrentar essa fase na vida. Porisso devemos viver intensamente cada minuto das nossas existências.
Adorei
Beijos!

Serena Flor disse...

Ai Fadinha...que texto lindoooo!
Mas pra te ser sincera, eu aos 44, beirando os 45, me sinto as vezes uma velhinha sabia?rs
Acho que vou ler este texto umas trezentas vezes pra ver se melhoro!hahaha
Beijos minha querida!

Susana Falhas disse...

Olá fadinha!

Estamos numa sociedade em que já não dá valor àa experiência marcada nas rugas...há medo até medo delas...mas o segredo é manter o espírito jovem e acordar com vontade de fazer coisas novas e diferentes todos os dias e ,acima de tudo não perder o ânimo de viver.

Gostei da nova cara do blogue, especialmente da frase do Fernando Pessoa, está a matar!

Abraço, Susana

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